Nos últimos anos, tem se tornado comum observar nas empresas uma prática curiosa: a troca de nomenclaturas de cargos. Funções conhecidas há décadas são rebatizadas com títulos mais sofisticados, muitas vezes em inglês, transmitindo a impressão de modernidade, senioridade ou valorização. No entanto, ao analisar mais de perto, nota-se que, em grande parte dos casos, trata-se apenas de uma “reembalagem” do mesmo papel, sem mudanças substanciais na essência das atribuições ou na estrutura de remuneração.
Essa tendência levanta uma reflexão importante: quando a alteração de título é de fato um reconhecimento da evolução da função no contexto organizacional e quando não passa de uma estratégia para driblar a legislação trabalhista ou aumentar responsabilidades sem contrapartida justa?
Na prática corporativa, alguns exemplos são recorrentes:
- Secretária x Assistente Executiva
Muitas empresas aboliram o cargo de “secretária”, substituindo-o por “assistente executiva”. Embora o novo nome traga um ar mais sofisticado, em grande parte dos casos, as funções continuam sendo as mesmas: organização de agenda, atendimento de clientes, elaboração de documentos e apoio direto à gestão. A diferença é que, sob o novo título, o profissional pode ser demandado a assumir tarefas adicionais — como relatórios de performance e suporte em projetos — sem o devido ajuste salarial. - Auxiliar Administrativo x Analista Júnior
Outro movimento frequente é a substituição de “auxiliar” por “analista”. O título soa mais atrativo, podendo até ser visto como um passo na carreira. No entanto, na prática, o “analista júnior” realiza atividades semelhantes às do antigo auxiliar, acumulando responsabilidades que antes eram distribuídas em níveis diferentes da hierarquia, mas com remuneração próxima ou idêntica à anterior. - Vendedor x Consultor de Negócios
O cargo de vendedor, tradicional em qualquer organização comercial, passou a ser renomeado como “consultor de negócios” ou “executivo de contas”. Embora a roupagem indique maior especialização, o núcleo da função — vender produtos ou serviços — permanece o mesmo. O que muda, na maioria das vezes, é a expectativa de metas mais agressivas, relatórios mais detalhados e disponibilidade ampliada, sem necessariamente haver ganhos compatíveis.
Essa estratégia de rebranding de cargos é usada, em alguns casos, para evitar enquadramentos sindicais específicos ou postergar negociações salariais, ampliando responsabilidades sem gerar impacto financeiro imediato para a empresa. Em outras situações, surge como resposta a um mercado em que títulos parecem pesar mais no currículo do que a própria descrição de atividades.
O problema é que, quando a mudança é apenas cosmética, gera descompasso entre nome e realidade, frustrando profissionais que, diante de um “novo cargo”, esperavam reconhecimento concreto. A longo prazo, isso pode afetar o engajamento, a retenção de talentos e até a credibilidade da própria organização.
Vale destacar que nem toda mudança de nomenclatura é negativa. Existem funções que realmente evoluíram diante das transformações digitais, da necessidade de multidisciplinaridade e da adoção de novas tecnologias. O antigo “técnico de informática”, por exemplo, não é mais o mesmo profissional que hoje atua como “especialista em infraestrutura de TI” ou “engenheiro de dados”. Nesses casos, há efetiva ampliação de escopo, exigência de novas competências e, em muitos casos, um reconhecimento financeiro compatível.
O desafio está em diferenciar quando a mudança de nome traduz uma evolução natural da função e quando é apenas uma forma de repaginar velhas atribuições. Para o profissional, cabe a atenção de avaliar se o novo título vem acompanhado de novas oportunidades de crescimento e valorização. Para as empresas, a responsabilidade está em não usar a mudança como subterfúgio, mas sim como ferramenta de clareza e reconhecimento.
No fim das contas, mais do que títulos, o que importa é a essência: atribuições claras, responsabilidades bem definidas e uma remuneração justa. Afinal, como bem sabemos no mundo corporativo, embalagens bonitas podem até chamar atenção — mas o que realmente sustenta uma relação de trabalho saudável é a coerência entre forma e conteúdo.
A pergunta que fica é: até quando vamos aceitar trocar essência por aparência? Empresas que se apoiam nesse tipo de prática talvez até consigam economizar no curto prazo, mas, no médio e longo prazo, colhem descrédito, desmotivação e fuga de talentos.
Gestores e profissionais de RH: está na hora de encarar o espelho. Mudar um título sem mudar a função é enganar o colaborador — e, pior ainda, enganar a si mesmos. É escolher a cosmética da gestão em vez da substância da valorização.
Títulos bonitos podem até enfeitar organogramas, mas não retêm talentos. O que segura profissionais é coerência entre o que se promete e o que se entrega. Se a empresa continua vendendo “vinho de mesa” em garrafa de luxo, não adianta reclamar quando os melhores começarem a buscar outra adega.